Força-tarefa resgata 36 trabalhadores em condições análogas à de escravo em Goiás

Operações ocorreram de 21 de setembro a 2 de outubro; multas somam R$ 1 milhão

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) realizou em Goiás, entre os dias 21/09 e 02/10, operações de combate ao trabalho análogo ao de escravo em que foram resgatados 36 trabalhadores – três com idade inferior a 18 anos. As diligências foram feitas em 12 estabelecimentos, tanto em áreas urbanas quanto rurais, sendo que, destes, sete empregadores foram flagrados explorando o trabalho escravo. Após as operações, foram tomadas as providências necessárias quando esse tipo de crime acontece.

Foram interditados nove estabelecimentos: uma carvoaria em Catalão; cinco pedreiras de extração de pedras portuguesas de minério basalto situadas em Joviânia e Vicentinópolis; duas florestas de extração de madeira de eucaliptos em Campo Limpo de Goiás; uma fábrica de bijuterias localizada em Aparecida de Goiânia; e uma empresa de mineração de areia em Cristianópolis.

Os resgatados exerciam suas atividades na informalidade e sem as mínimas condições de segurança e saúde. Entre as irregularidades encontradas estão: falta de acesso à água potável em quantidade suficiente; em alguns casos, as ferramentas de trabalho tinham de ser compradas pelos próprios trabalhadores; não dispunham de equipamentos de proteção individual (EPIs) ou, quando recebiam, tinham os valores descontados dos salários; não havia banheiros e locais para refeição; operavam máquinas (como tratores e motosserras) sem terem recebido o treinamento necessário.

Serão lavrados 150 autos de infração, que somam aproximadamente R$ 1 milhão em multas. As verbas rescisórias dos trabalhadores resgatados totalizaram R$ 365.385,00, sendo que R$ 59.500,00 foram quitados já durante as operações. Receberam o seguro-desemprego (na modalidade trabalhador resgatado) 36 pessoas.

“Cabe ressaltar que o trabalho escravo moderno não guarda muita semelhança com a antiga concepção de trabalho escravo, em que o trabalhador era mantido acorrentado e trabalhava sob ameaças de açoitamento. O trabalho escravo moderno se caracteriza mais pela ofensa à dignidade do trabalhador do que pela liberdade propriamente dita, podendo ser praticado de diversas formas, como o trabalho forçado, a servidão por dívida, as jornadas exaustivas e as condições degradantes de trabalho”, afirmou o auditor-fiscal do Trabalho Roberto Mendes, coordenador das operações.

O Grupo

Em Goiás, o GEFM foi criado em julho deste ano para, com base na articulação entre instituições públicas, combater de forma eficaz o trabalho escravo contemporâneo. É composto por representantes do Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT em Goiás), Ministério Público Federal em Goiás (MPF em Goiás), Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (vinculada ao Ministério da Economia), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O chefe do Setor de Fiscalização do Trabalho em Goiás, auditor-fiscal do Trabalho Afonso Borges, enfatiza a importância da parceria institucional para enfrentar o trabalho em condições análogas à de escravidão, tanto nacional quanto regionalmente: "A criação do GEFM em Goiás é fruto do trabalho de articulação e que traz uma mensagem muito clara à sociedade goiana, no sentido de que o Estado atuará preventiva e repressivamente em face da submissão de trabalhadores a condições degradantes".

Borges destaca ainda que os efeitos econômicos da pandemia e a consequente deterioração de indicadores sociais têm ampliado a desigualdade social - o que torna mais frequente a submissão de trabalhadores a condições degradantes, o que reforça a importância da criação do GEFM em Goiás.

Para o inspetor da PRF em Goiás Vinícius Veiga, o órgão busca atuar com excelência e profissionalismo no apoio às operações de resgate, provendo a segurança necessária às diligências, que muitas vezes são realizadas em locais ermos, muitas vezes vigiados por pessoas armadas. “É um trabalho de atuação conjunta muito importante, seja porque está alinhado às nossas entregas institucionais e aos nossos objetivos estratégicos, seja porque se trata da defesa dos direitos humanos e das garantias do cidadão brasileiro”, explica.

“Nós, da Polícia Federal em Goiás, reforçamos e ratificamos os laços de parceria institucional que originaram o GEFM, convergindo esforços e força de trabalho de forma coordenada e harmoniosa para o atingimento da missão, valores, atribuições e objetivos institucionais dos órgãos”, destaca a superintendente da PF em Goiás, delegada Cassandra Parazi.

O que é o trabalho escravo contemporâneo

De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, o trabalho análogo ao escravo é aquele em que pessoas são submetidos a qualquer uma das seguintes condições: trabalhos forçados; jornadas tão intensas ao ponto de causarem danos físicos; condições degradantes no meio ambiente de trabalho; e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. É considerado crime, pode gerar multa e até pena de prisão de até oito anos.

Conforme explica o procurador do Trabalho Tiago Cabral, representante do MPT em Goiás nas operações, o resgate de trabalhadores não se resume a retirá-los do local. Trata-se de um conjunto de procedimentos que reconhecem o trabalhador resgatado como uma pessoa possuidora de direitos.

São necessários, entre outros: a rescisão dos contratos, a reparação dos danos trabalhistas por meios de pagamento das verbas rescisórias; a emissão das guias de seguro-desemprego para trabalhador resgatado; o retorno ao local de origem, caso tenham sido também vítimas de tráfico de pessoas; e o encaminhamentos dos resgatados para acolhimento pelos centros de assistência social competentes. Se o empregador se recusar a anotar, de forma retroativa, as Carteiras de Trabalho e a fazer o pagamento das verbas rescisórias, serão acionados judicialmente pelo MPT, para tentar garantir o pagamento dos direitos.

Cabral alerta também para o aumento do registro do número de denúncias no MPT em Goiás. “No final de agosto deste ano, em outra operação, resgatamos 40 pessoas num canteiro de obras no Entorno de Brasília. Somente até setembro deste ano, no MPT-GO, tivemos 43 denúncias, contra 29 no mesmo período do ano passado”, alerta.

Causas

A partir de uma análise dos dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo, site mantido pelo MPT em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), percebe-se que tanto os locais de nascença quanto os de residência dos trabalhadores resgatados são geralmente caracterizados por desigualdades: de desenvolvimento humano, de renda, além de injustiças baseadas na cor de pele, gênero, sexo, etc.

Além disso, esses locais costumam se caracterizar pela falta de oportunidades de emprego e renda, pouca oferta de postos de trabalho e/ou vagas para ocupações que pagam salários baixos, que exigem pouca ou nenhuma qualificação profissional ou educação formal.

Ações preventivas

“No âmbito da atuação da Polícia Federal, acredito que, além dessa integração entre instituições, que já está acontecendo – e é fundamental – para apuração das denúncias (investigações reativas), é necessário trabalharmos fortemente de forma paralela no desenvolvimento de estratégias e ferramentas para o incremento de investigações proativas (aqui entendidas como aquelas que independem da provocação de terceiros). Já temos iniciativas promissoras nesse sentido que, nesse ano inclusive, resultaram em prisões em flagrante e resgate de vítimas de redução à condição análoga à de escravo. E isso foi possível a partir de informações produzidas exclusivamente da utilização de recursos tecnológicos disponíveis à polícia”, informa o delegado da Polícia Federal e Chefe do Núcleo de Repressão ao Trabalho Forçado, Warlei Dias.

Como denunciar

“Nós do Ministério Público Federal em Goiás entendemos que a união de esforços de órgãos e instituições públicas, por meio das forças-tarefa, constitui o principal meio de combate ao trabalho escravo contemporâneo, uma mazela infelizmente ainda muito comum em nosso país. Pedimos a todos que denunciem os casos suspeitos, para que possamos averiguar e tomar as medidas cabíveis”, explica a procuradora da República Mariane Guimarães.

Para registar uma denúncia sobre o tema, estão disponíveis os seguintes canais:

* Ministério Público do Trabalho: site (mpt.mp.br) ou aplicativo (MPT Pardal);
* Ministério Público Federal: mpf.mp.br/go
* Subsecretaria de Inspeção do Trabalho: Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br)
* Polícia Federal (em suas Superintendências, cujos endereços estão disponíveis em gov.br/pf)

Origem do GEFM

No Brasil, a primeira operação do GEFM ocorreu em 15 de maio de 1995. Na época, participaram da ação os procuradores do Trabalho Luiz Camargo de Melo e Luercy Lopes; os auditores-fiscais do Trabalho Mário Lorenzoni, José Pedro Alencar, Eduardo Vieira, Alano Maranhão e Hyrani Carvalho; o padre Alfeo Prandel, representante da Comissão Pastoral da Terra; e os motoristas Germano Soares e Jerônimo Pereira, da então Delegacia Regional Trabalho no Mato Grosso do Sul. Desde então, já foram resgatados mais de 55 mil trabalhadores.

 

 

 

 

 

 

 

 

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